quinta-feira, 5 de julho de 2012


Tico Santa Cruz
“O futuro não existe”
Por: José Carlos Silva 
Fotos: Gabriel Wickbold

Tico Santa Cruz é um artista que não tem medo de colocar a cara à tapa. Coragem é que não falta quando tem que falar sobre política, música, carreira... Aliás, ele não foge de nenhuma pergunta. Vocalista da banda “Detonautas”, Tico está em plena fase de bons projetos: tem em pauta o lançamento de um DVD e a concepção de um novo trabalho de inéditas com a banda. A entrevista exclusiva dada por Tico Santa Cruz à Revista S! está para de lá especial. Melhor dizendo: Imperdível!

 
Como era o Tico Santa Cruz antes de entrar no mercado fonográfico?
Fui um aluno regular. Dei muito trabalho para meus pais, não me adaptava às escolas e de algumas delas fui convidado a me retirar. Mas quando terminei os estudos consegui passar para a UFRJ onde cursei Ciências Sociais. A arte sempre esteve presente na minha vida, através da música – ouvindo minha mãe que sempre gostou de cantar ou trabalhando como animador de festas, eu levava videokê na casa das pessoas e cantava até que elas tomassem coragem para começarem a cantar também. Fiz cursos de teatro, mas percebi que não era meu talento principal. No fim das contas, montei uma banda e fui viver meus sonhos e torná-los reais.

Como foi a dinâmica do despertar para a música?
Sempre gostei de cantar ouvindo rádio. Ouvi muito rock nacional quando era criança e adorava imitar o Raul Seixas no “Plunct Plact Zum”. Minha mãe sempre tocou e cantou pra mim, tenho um tio que é maestro. Acho que vem do DNA.

De que forma você analisa o atual mercado fonográfico com essas explosões de “músicas chicletes"? Isso é um retrocesso cultural ou um modismo passageiro?
O Mercado fonográfico se alimenta de quem pode consumi-lo. Estas manifestações popularescas refletem de modo geral o gosto do senso comum. São pessoas que não têm qualquer apego pelas músicas, apenas pelo entretenimento. É uma fase estranha para quem, como eu, viveu as músicas dos anos 80/90 que  continham algo a mais do que apenas meia dúzia de palavras repetidas um milhão de vezes. Mas mesmo naquela época existiam estas manifestações menos interessantes. O fato é que não há qualquer comprometimento do mercado com a qualidade do que é vendido e sim com o que rende lucros. Se o que está sendo consumido é esse vocabulário pobre e estas manifestações que não dizem nada a ninguém devemos estar atentos a que tipo de  comportamento estamos incentivando para o público. Vale lembrar que a cultura sempre reflete a identidade de um povo.

Falando em cultura, como é fazer arte no Brasil, principalmente tendo como base o rock?
O rock é uma manifestação que veio do exterior. Nos anos 60 e 70 começou a ser traduzida para nossa linguagem e depois foi totalmente transformada numa forma de expressão legítima da cultura nacional. Fazer arte num país como o Brasil é um grande desafio. Com a popularização da Internet e o acesso mais fácil e barato a equipamentos que possam ajudar o artista a registrar sua música, ou seu filme ou qualquer outra forma de expressão, podemos dizer que hoje é mais viável conseguir alguma atenção. O difícil é transformar esta atenção no seu ganha pão e depois disso mantê-lo. Como músico posso dizer que o nosso processo aposta na longevidade de um trabalho que começou com uma abordagem naturalmente mais jovem e que fora amadurecendo à medida que nós fomos aprendendo na prática e a duras penas como se comporta esse mercado.
O artista que não souber lidar com as novas mídias e com as dinâmicas que a internet proporciona certamente terá bem mais dificuldades em conquistar seu espaço.
Mas não é raro perguntarem a um artista: O que você faz da vida?
Ele responde: Sou artista.
E recebe de volta: Sim, mas trabalha com o que?
Para muita gente Arte não é trabalho, mas para quem só sabe fazer Arte é ela quem sustenta nossas famílias.

Você é um artista que não tem medo de colocar a cara a tapa e fala sempre suas opiniões sem restrições. Essa postura crítica vem antes mesmo de você se tornar uma figura conhecida do grande público?
Desde que me conheço por gente. Na escola era assim. Nos debates eu gostava de questionar a respeito dos temas e em geral minhas opiniões eram contrária a dos outros alunos, mas não por esporte, talvez porque queria me aprofundar um pouco mais e quando me aprofundava descobria que a história não era bem aquela versão apenas que fora contata pelo professor. Foi bem cedo que comecei a perceber que existem mais mentiras sendo passadas como verdades do que o contrário e isso me move uma certa angústia. Mas ao mesmo tempo me serve como matéria prima para criar.

Essa sua fama de ser polêmico gera algum problema em sua carreira?
Qualquer pessoa que tenha uma opinião e argumentos para defendê-la será considerada polêmica num país onde a maioria prefere abaixar a cabeça e aceitar calado o que é ditado pelo status quo. Tenho muitos problemas na minha carreira por falar o que penso. Desde gente que me interpreta mal e me tira de arrogante até meios de comunicação que aderiram a um boicote ao Detonautas, não passando nem clipes e nem tocando nossas músicas nas rádios. Se fossem em outros tempos, eu já teria morrido de desgosto ou a banda já teria acabado, mas nós temos o domínio da internet e isso nos mantém próximos do nosso público e com voz suficiente para que possamos continuar nosso trabalho de forma digna.

Esse seu jeito de falar sobre tudo sem restrições acaba mostrando uma verve política que chama atenção e acaba conquistando admiradores. Você já pensou em ingressar na carreira política?
Já fui convidado, mas não me sinto maduro suficiente para ingressar numa carreira política. Primeiro porque não sei se seria capaz de aceitar mandos do partido em contrário a algo que eu acreditasse que fosse melhor segundo meus princípios.
Segundo porque sabemos que para sobreviver na política você precisa engolir muita coisa podre e não tenho certeza se meu estômago seja capaz de suportar.
Talvez com mais idade eu consiga fazer os movimentos certos para que minha postura seja útil ao país, mas enquanto isso faço meu papel de artista e de pessoa que tem voz pública e procuro não me omitir diante de questões importantes.

Política: como você vê o atual panorama político?
A grande massa não entende como funciona o regime democrático e muito menos quais as responsabilidades individuais e coletivas que temos como cidadãos. Estou para fazer um documentário de cinco minutos para comprovar minha tese de que desde universitários até pessoas mais humildes não são capazes de explicar com poucas palavras qual a função dos três poderes de nossa república. O que temos são bandos de políticos bancados por iniciativa privada que vai desde laboratórios Farmacêuticos, passando por empreiteiras, latifundiários, bicheiros e outros interessados em mastigar uma fatia dessa parcela grande de dinheiro público que circula livremente no ralo da impunidade e da corrupção. O Cidadão Brasileiro ainda não entendeu que o que é público é de sua responsabilidade também e ainda vende seu voto ou mesmo vota sem saber quais as consequências disso em mãos erradas. Somos uma democracia recente, temos muito que aprender, mas não vejo boa vontade do poder público em incentivar o conhecimento desse sistema. Logo o que vemos no panorama atual não é muito diferente do que acontecia nos tempos do Brasil colônia – Um bando de gente escravizada pela ignorância enquanto quem tem poder legisla em benefício próprio. Mas há algo que precisa ser dito. O Brasil mesmo com toda corrupção, melhorou nos últimos 10 anos o que mostra que se fôssemos mais comprometidos com a política poderíamos usufruir muito mais benefícios para a população.

Você já emprestou sua imagem para campanha contra homofobia. O rock “pesado” é associado a caras sisudas e com pouco comprometimento com o movimento LGBT. Você acha que os dois movimentos poderiam andar entrelaçados sem sofrer nenhum tipo de preconceito?
O rock tem como viés o questionamento e a expressão de idéias e bandeiras. Meus ídolos eram gays ou Bissexuais. Renato Russo, Cazuza, Freddie Mercury, entre tantos outros. Não tenho problemas com minha sexualidade, logo sou capaz de respeitar qualquer comportamento ou orientação. Acho que todos os seres humanos têm o direito de livre escolha do que fazer com seu corpo. De modo que é essa a mentalidade que procuro passar para meus admiradores. Ninguém é obrigado a gostar de fazer sexo com pessoas do mesmo gênero, mas é obrigado a respeitar as escolhas de cada um e sendo assim com um pouco de comprometimento e boa vontade nós podemos tentar mudar a mentalidade daqueles que  confundem vida pública com vida privada, sejam gays ou héteros. 

Você é considerado um dos musos do movimento LGBT pelo seu corpo, fotos, e declarações. Como é isso para você?
Não tinha conhecimento disso *RS. Mas vejo com bons olhos. Ter admiração de qualquer tipo de pessoa que entenda que estamos trabalhando com ideias é confortante. O corpo muda com o tempo, as fotos nos podemos manipular no computador, mas o pensamento e as ideias, essas podem ser atemporais e valiosas.

Em relação aos direitos LGBT, dos negros, das mulheres... Em sua opinião, qual é a posição do Brasil?
Acho que só pelo fato de estarmos debatendo isso abertamente já é um ganho. Mas ainda percebo uma grande ignorância e muito preconceito com relação a algumas abordagens como o casamento Gay ou a adoção de crianças por casais homossexuais. 
O Brasil é um país pseudo-Cristão. Refiro-me dessa forma porque estamos tratando de religiosos que levantam suas vozes em campanhas contra o direito de livre comportamento sexual e contra o direito inalienável de escolha que cabe a cada um de nós em nossos relacionamentos. O mesmo que se diz Cristão e que deveria seguir os princípios de Cristo é o que prega a violência e a falta de respeito contra outros seres humanos que têm comportamentos diferentes. O crescimento das bancadas evangélicas e católicas na política é um sinal de alerta para que não tenhamos um retrocesso. Não tenho nada contra religião alguma, mas quando política, representatividade legislativa e religião se misturam colocando em risco a liberdade de um país, temos que tomar cuidado.

Carreira: Como está? Os “Detonautas” têm fôlego para uma longa carreira?
Lançando um DVD registrado ao vivo no Rock in Rio e preparando um disco de inéditas. Nosso objetivo é a longo prazo.

Como é conviver com cabeças totalmente diferentes durante tanto tempo como é o caso de vocês?
Temos 15 anos de banda, mais do que muitos casamentos. O segredo é respeitar e aprender a conviver com os defeitos e qualidades de cada um sem impor suas vontades. Todos têm os momentos complicados e estamos sujeitos a equívocos. Quando o organismo entende essa dinâmica e passa a respeitar o coletivo, então você obtém a maneira saudável de conseguir administrar toda essa variedade de personalidades. Mas no fundo o que salva é que somos amigos e a amizade está em respeitar as diferenças do outro sem querem adequá-las a seus interesses apenas.

E a relação dos “Detonautas” com a mídia? O grupo anda meio sumido da televisão e do rádio. È proposital?
Como disse antes, temos alguns espaços, mas por conta de nossa postura social e política talvez tenhamos alguma dificuldade com alguns meios de comunicação. Contudo ainda sabemos usar e ser usados quando temos algum interesse envolvido na disseminação de nosso trabalho e de nossas ideias.

Já deu aquela vontade de mudar tudo e sair em carreira solo?
Sei que não é o momento e alimento este outro lado com projetos paralelos que me permitem ter outras abordagens sem precisar abrir mão da banda.

Essa invasão da privacidade da vida alheia incomoda?
Na verdade hoje acho que as pessoas estão proporcionando uma grande evasão de suas privacidades. A minha privacidade procuro resguardar e tenho conseguido, mas há quem fique o tempo inteiro incentivando a curiosidade alheia e quando alguém “fura” o bloqueio a pessoa se diz irritada ou tenta demonstrar alguma reação. Quem quer privacidade mantém a postura de acordo com esse desejo.

Você participaria outra vez de um programa tipo “A Fazenda?”. Qual foi o saldo positivo em relação a sua participação nesse programa?
Não falo no futuro. Mas hoje meus interesses estão voltados para outra direção. Não tenho do que reclamar. Aprendi muito sobre mim nesse programa e se tivesse que voltar no tempo e escolher, iria novamente.

Você é um artista completamente conectado com as mídias sociais e faz delas sua ferramenta de trabalho. Você acredita que essa atual linha será a conexão do futuro para divulgação dos seus trabalhos?
Já é assim hoje, o futuro não existe.

O que o tira do sério?
Injustiça e má interpretação.

O que vem pela frente?
No que depender de mim, cada dia mais trabalho e mais vontade de deixar registrada minha passagem por esse lugar estranho chamado Planeta Terra.