Vida Urbana

OUTRO LADO DA NAVE

Uma leitora dessa revista fez de mim a pessoa mais feliz do planeta ao me classificar como ponderada. Também referiu-se a mim como atenta , subjetiva e sensível. Obrigada Regina Sartore!  Ser considerada ponderada é atingir o objetivo dessa coluna que se propõe a recolher alguns fragmentos da nossa vida insana e expor aqui. Manter um nível aceitável de sanidade é um grande desafio nos dias de hoje, quando a profecia de Andy Warhol  se realiza. Hoje se tem espaço para disseminar todo tipo de idéia e pensamentos, lamentavelmente ainda não se acordou para a obrigação da responsabilidade com o que se dissemina.  Aquele botãozinho comentário ao final de cada notícia publicada na internet é um gatilho irresponsável e fácil de apertar
Em maio a entrevista de Xuxa no quadro “O que Vi da Vida” explodiu as mídias sociais com as manifestações do público e  sacudiu o preconceito introjetado de muita gente boa em opiniões  que fariam a festa de advogados se acionados, tal a ânsia dos anônimos e pseudônimos (nicks) de pegar uma carona no holofote que iluminou a eterna Rainha dos Baixinhos  por meia hora no Fantástico. Independentemente de ser fã da apresentadora, ponderar sobre as suas declarações seria um exercício que nos levaria a assuntos altamente “in” como liberdade de expressão, direito e respeito.  Causou-me estranheza (ou seria desconforto?) o gosto pessoal de alguns se sobrepor a uma interpretação mais inteligente.

As emissoras de TV existem por conta dos nossos impulsos consumistas e os aparelhos não ligam automaticamente, cabendo a nós a escolha do que assistimos. Dizer que a entrevista foi apenas uma estratégia na busca por audiência é chover no molhado. Criticar o conteúdo da entrevista sem pensar é péssimo e mais ainda, para aqueles que postaram comentários afirmando que não assistiram. Acusar a entrevistada de pedofilia mencionando o filme Amor Estranho Amor pareceu-me ignorância  maldosa e deslocada.  O longa foi filmado em 1979, Xuxa nasceu em 1963, logo, na época do filme ela tinha 16 anos, idade que até hoje não torna o adolescente capaz de responder criminalmente por seus atos, devolvo então a pergunta feita em profusão nos sites: “por que só agora falar disso”?  E se o filme é tão pesado e indecente, quem seria o verdadeiro responsável? Quem é o culpado pela obesidade da criança que você alimenta?
Talvez possa parecer para muitos que um abuso sexual cometido contra uma mulher que se tornou rica, famosa e etc  seja menos abusivo... A conclusão que tirei disso é que o mundo é cruel com os vencedores e talvez seja indiferente com os derrotados. É inegável a manifestação da cultura de criminalizar as vítimas de determinados crimes principalmente se praticados contra mulheres e gays, estão aí a Marcha das Vadias  e o descaso com os crimes de homofobia “que não me deixa mentir sozinha”.  Algumas pessoas julgaram a Xuxa tomando por base a sua beleza e a idade de 16 anos. Quando ela sofreu abusos – que foram  freqüentes ao longo de alguns anos - esquecendo-se que uma vítima de abuso sexual  na infância, caso se recupere, leva anos para isso. Não se pode analisar que a faixa etária faça da vítima merecedora dessa violência ou conivente com ela pois isso seria aceitar  que um estupro de uma mulher adulta seja  menos traumatizante e violento apenas por ela não ser jovem e virgem, o que abriria  um perigoso precedente : os “crimes merecidos”,  da mesma forma como grande parte da população acredita  que os crimes homofóbicos ocorrem sempre por culpa da própria vítima...
Xuxa disse que viveu o que muita gente não pode viver, mas tenho certeza que nós, simples mortais sem fama, vivemos muito do que ela não pode e isso não faz dela coitada nem de nós carrascos.  Também não entendi o espanto com a proposta de casamento feita pela assessoria de Michael Jackson... Alguém soube de algum envolvimento afetivo dele com Liza Marie Presley antes do casamento em 94, 20 dias depois de concedido o divórcio dela, numa cerimônia de 15 minutos, na República Dominicana? Apresentaram-se como casal  no MTV  Music  Awards e separaram-se no ano seguinte...
Hipocrisia deveria ter bula, principalmente quando aplicada na crítica de fatos julgados como hipócritas.
Em agosto de 1996, a edição comemorativa dos 21 anos da revista Playboy trouxe uma entrevista da Xuxa que conta ter sofrido, antes de completar 18 anos,  assédio sexual de um general graduado.  Isso me lembra que a artista talvez não tenha tido durante toda a sua vida autonomia para as suas escolhas, a idade como o sucesso libertam e ambos podem trazer cura para traumas e feridas. Remédio não há para o recalque que leva aos julgamentos sem ponderação.  Toda verdade tem vários lados, a nave rosa e piscante também.

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